Na história, Bela, uma linda mocinha, oferece-se para ficar em cativeiro em um castelo no lugar de seu pai que foi raptado por um monstro. Bela tinha um coração muito grande, amava o pai, e faria qualquer coisa para vê-lo a salvo. O moço mais bonito do vilarejo em que morava queria se casar com ela, mas Bela o achava grosseiro demais.
A Fera, como era conhecido o terrível monstro, era uma criatura estranha, endurecida, que havia sofrido uma maldição. Ele era um príncipe muito bonito, porém rude e egoísta, e uma feiticeira disfarçou-se de mendiga para lhe dar uma lição: ofereceu a ele uma rosa em troca de hospedagem em uma noite chuvosa. Como ele negou o abrigo, ela transformou-o na Fera e disse a ele que a maldição só se quebraria caso ele verdadeiramente amasse, e fosse amado, antes que caísse a última pétala da rosa encantada que ela lhe deu.
Com a convivência, a pureza e a bondade de Bela começaram a verdadeiramente encantar a Fera, que por amor a ela, até a permitiu voltar para casa, perdendo assim sua última chance de tentar quebrar a maldição.
Bela também começou a perceber que por trás daquela aparência horrível, havia também alguém com quem compartilhava muitos interesses, afinidades, e que realmente se importava com ela. Tanto foi assim, que resolveu por livre e espontânea vontade voltar ao castelo após ter ido ver seu pai com o consentimento da Fera.
Esse é um conto muito complexo e que tem inclusive várias versões. Essa que estou mencionando é a mais conhecida que foi adaptada para filme. Poderíamos utilizar várias de suas nuances para fazer correspondências e estudar algum conceito astrológico. São muitas as possibilidades para serem exploradas.
Para esse breve texto, escolhi trazer o conceito da sombra, que enquanto não é encarada e trabalhada, pode mostrar-se como um terrível monstro assustador. O lado feio do príncipe era seu egoísmo, sua falta de sensibilidade. Como era rico e tinha uma boa aparência, vivia em um castelo maravilhoso, alheio às necessidades dos outros.
Se ele não houvesse recebido a lição da feiticeira, dificilmente as pessoas (e principalmente ele mesmo!) enxergariam que no meio de tanto luxo houvesse algum problema. Infelizmente, na vida real, também é assim. Deixamo-nos levar pelas aparências e pelas conveniências, e dificilmente nos confrontamos com aquilo que é mais feio em nós. Temos sempre muitas desculpas e justificativas para todas as nossas ações, mesmo as mais vexatórias. Vestimos uma máscara do bom cidadão, da pessoa exemplar, sem defeitos, atribuímos toda a responsabilidade pelos acontecimentos às circunstâncias, e assim vamos nos eximindo de qualquer responsabilidade.
Na história, foi necessária uma maldição que acabasse com as aparências, para que todos pudessem ver o lado escuro do que havia ali. Principalmente o próprio príncipe, que precisou lidar com sentimentos de vergonha, inadequação, medo. Sentiu na pele o que era ser rejeitado, ridicularizado, temido. Isso fez com que ele verdadeiramente se transformasse, e entrasse em contato com os verdadeiros sentimentos que havia dentro dele. Isso lhe trouxe uma outra perspectiva que lhe permitiu mudar suas referências, valores e condutas.
Quantas vezes em nossa vida agimos de maneira a tentar evitar ao máximo o confronto com o nosso lado mais escuro, temendo enfrentar o terrível monstro que existe ali. Não nos damos conta de que é justamente ele, a chave para uma vida mais autêntica e legítima, para acessar sentimentos mais nobres e consequentemente relacionamentos mais verdadeiros.
Da mesma maneira que o príncipe poderia passar a vida cheio de hipócritas a seu lado, convivendo com ele por interesse, e fingindo não perceber seu egoísmo e sua rudeza, podemos também nos conduzir com uma máscara, escondendo nossas dores e dificuldades, e com isso vivendo relações de mentira. Pode ser complicado e trabalhoso reconhecer a própria feiura, mas é a partir dela que pode surgir a verdadeira beleza.
A astrologia pode nos ajudar imensamente nesse reconhecimento de nosso lado mais sombrio. Existem vários pontos e aspectos que poderiam ser mencionados (na realidade, sempre o Mapa Natal como um todo), mas preciso dar algum destaque para a Lua, por seu conteúdo altamente inconsciente, e relacionado com nosso emocional mais profundo.
A Lua, considerando seu posicionamento por signo, casa, aspectos, posicionamento da regência, quando bem interpretada, pode nos alertar para padrões muito arraigados, adquiridos desde a infância remota, que na maior parte das vezes não nos damos conta que estamos manifestando. No entanto, eles podem ser altamente sabotadores, impedindo que sigamos o caminho que nos é destinado.
A Lua guarda nossas memórias, nossos traumas, nossas inseguranças, nossos medos mais profundos, que, no intuito de nos proteger, podem desviar o nosso comportamento. Quantas vezes a soberba não esconde uma profunda falta de autoestima, ou a agressividade não é resultado de estarmos nos sentindo intimidados e temerosos, ou ainda a frieza emocional não é um mecanismo de defesa contra uma possível rejeição.
Por trás de um comportamento distorcido quase sempre existe uma dor. E evitamos reconhecer esse comportamento, justamente porque é muito difícil o confronto com a dor, que pode ter sido dilacerante. Mas é a partir desse enfrentamento que a realidade pode se manifestar, com seu ônus, mas também com muitos bônus.
Explorar a própria Lua em profundidade pode ser a chave para resolver inúmeras questões na nossa vida. A superficialidade é uma maneira de continuar na ilusão, no autoengano que não leva a lugar nenhum. A Lua tem um conteúdo altamente inconsciente, então é bem possível que haja muita resistência em perceber os próprios padrões, e o quanto eles são deletérios para nossa vida.
No entanto, quando esse trabalho é feito, o príncipe pode surgir, e encontrar a sua Bela para um final feliz. Na história, depois que ele aceita todas as humilhações e rejeições, até mesmo de sua amada, e ainda assim é capaz de ser nobre o suficiente para deixá-la ir e depois arriscar sua vida por ela, independentemente do resultado, está pronto para a transformação.
Bela interessou-se pela Fera, apesar de sua face monstruosa, e conseguiu enxergar a verdade por detrás das aparências. Entendeu que aqueles gritos eram de uma dor profunda que ele carregava, viu o homem bom que estava soterrado sob muito sofrimento. Nossas sombras funcionam como defesas, e é preciso atravessá-las para enxergar a verdade. Ainda que a expressão seja feia, é possível que se trate apenas de um escudo de proteção, havendo um verdadeiro príncipe para além da forma embrutecida. É preciso dar espaço, amor e acolhimento para que ele apareça.
No conto, o feitiço se desfaz no último momento, com a última pétala caindo, e precisamos estar atentos na nossa vida para não deixar o tempo passar e perder as oportunidades. Quanto antes encontrarmos com o nosso monstro, mais cedo teremos uma vida mais livre e mais autêntica.
A Fera nos dá medo, mas a verdadeira Bela é capaz de enxergar e valorizar, a até mesmo se apaixonar, pela verdade que há em seus olhos. A Bela é o nosso lado inocente, imaculado, belo, que está sempre pronta para amar cada aspecto do nosso ser, seja ele feio ou bonito.
A união da Bela e da Fera, se dá em termos arquetípicos, dentro de cada um de nós. No entanto, todos os nossos relacionamentos serão imensamente beneficiados se já houve em nós o casamento da Bela e da Fera, e se já tomamos posse de nosso castelo.
Maravilhoso, como sempre!