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  • Foto do escritorCecilia Leite

Ser livre...


Uma das metáforas mais utilizadas para simbolizar a prisão em que alma se coloca é a gaiola... O maravilhoso poeta Rubem Alves, em muitos de seus contos e de suas crônicas, se utiliza desse tema para descrever o comportamento humano.


Em "O passarinho engaiolado", ele apresenta muito poeticamente e com perfeição, a realidade humana de abrir mão da liberdade em nome de uma suposta segurança. Diz o conto que, dentro de sua gaiola o passarinho come, bebe, dorme, e com seu lindo canto paga um aluguel para o seu dono que o mantém protegido. Mas ele olha para fora e vê a vida acontecendo, todos os outros pássaros livres, parecendo alegres, e ele então começa a se lamentar por estar preso. Até que um dia seu dono esquece a porta da gaiola aberta, e ele sai, estava livre para realizar seus sonhos. Logo de início viu que voar poderia não ser assim tão fácil, dava até uma certa vertigem, e mais complicado ainda era arrumar comida por seus próprios meios, encontrar abrigo e proteção, estar somente sob sua própria responsabilidade. Difícil... Teve saudades da gaiola. Resolveu voltar. Felizmente a porta ainda estava aberta...


Como o próprio Rubem Alves diz na sua narrativa, "A monotonia é o preço que se paga pela segurança". E em algum momento o passarinho sente um certo tédio, e percebe que a vida é muito mais do que aquilo que ele conhece. Assim como nós humanos, que no meio de uma vida inteira direcionada para garantir uma falsa estabilidade, de repente nos damos conta de que há uma outra vida lá fora... Essa sim de verdade, com cores diferentes, aromas inebriantes, sensações inexplicáveis... Mas para estar lá, há de se aprender a voar... É preciso correr o risco, se atirar no precipício, não ter garantias, não ter controle dos resultados... E isso é assustador...


Lá dentro da gaiola "Os sonhos aparecem mas logo morrem, por não haver espaço para baterem suas asas. Só fica um grande buraco na alma, que cada um enche como pode". E é assim que surgem os vícios, as depressões, as crises de ansiedade... Mas a gaiola não era segura? Lá não tem todo o conforto, comida, bebida, sono despreocupado com a visita de algum animal? Assim é também na nossa vida... Não temos emprego, dinheiro (às vezes até muito), viagens, amigos? O que falta então?


Falta a liberdade de viver cada dia como se fosse o último, porque se assim o fosse não haveria tempo a perder, nem arrependimentos... Cada minuto seria aproveitado inteiramente, cada recanto conhecido, o calor do Sol, a força dos ventos, a sensação refrescante e amedrontadora da chuva... O perfume de cada flor, o canto dos outros pássaros, todas as cores e brilhos da paisagem seriam apreciados e aproveitados... Haveria encantamento... Sim, o que falta é o encanto, o êxtase... E ele é sutil, e efêmero, e exige desprendimento... Para poder alcança-lo, precisamos tirar as nossas proteções e nos tornarmos vulneráveis, nos entregar completamente.


Ser livre dá trabalho e exige coragem. O conforto e a segurança não coexistem com a liberdade. Mas, novamente, quando estamos seguros? Será que o que possuímos não é uma falsa sensação de controle? Pense... A qualquer momento tudo pode mudar. Tudo. A natureza já nos mostra que não temos o menor domínio sobre seus fenômenos... Isso sem falar na situação social, política, global... Então o que achamos que é uma garantia talvez não seja... Possivelmente a prisão que nos impomos só esteja nos tornando mais fracos e despreparados... Quem nasceu para voar vai perdendo suas habilidades se não coloca isso em prática... Vamos atrofiando, abrindo mão dos nossos potenciais.


E como diz Alejandro Jodorowsy: "Pássaros criados em gaiola acreditam que voar é uma doença". E essa é a sociedade em que vivemos. Todos engaiolados, acreditando que o problema está em que voa...


Mas afinal o que nos prende? Quais são as grades da nossa gaiola?


Como na história do passarinho, muitas vezes as portas estão abertas, somos nós que não queremos sair... Escolhemos o medo, a preguiça, o comodismo, e às vezes não nos damos conta nem de que estamos fazendo uma escolha, nos parece a única opção disponível.


Na maior parte das vezes são as nossas crenças que nos limitam. Pensamentos de toda a natureza povoam a nossa mente e nos paralisam. Acreditamos sobretudo que somos incapazes de viver por nossa conta. Algumas crenças são mais óbvias e estão bastante evidentes. Outras estão bem escondidas no fundo da nossa alma. Elas vêm de situações vividas, traumas, marcas e feridas, que não nos são conscientes. E, por isso, é tão importante o trabalho de autoconhecimento. E às vezes acompanhamento terapêutico também.


Existe um outro conto onde um elefante é amarrado com uma cordinha para ficar preso enquanto ainda é um bebê. E ele se acostuma com os limites impostos pela corda. Mas ele cresce, fica muito maior e mais forte, e a cordinha continua a mesma, porque ele não percebe que poderia rompê-la para viver em liberdade. Desde pequeno acostuma-se com a prisão, e não cogita que possa existir uma outra situação. Essa é uma outra metáfora maravilhosa para ilustrar os nossos condicionamentos que vêm desde a nossa infância. Sequer percebemos que carregamos, possivelmente, crenças que não são nossas, ou que ao menos não nos cabem mais.


Há quem confunda o significado do termo liberdade. Muita gente se acha muito livre e, no fundo, é refém de si mesmo. Está engaiolado nas próprias inconsciências, vive uma vida de libertinagem, é escravo do trabalho, do dinheiro, da posição social, da imagem que quer transmitir e de uma infinidade de outros comportamentos nocivos que ele nem desconfia que possui. Ser livre exige também responsabilidade e comprometimento, com os outros, mas sobretudo consigo mesmo. A verdadeira liberdade está em não abrir mão de seus valores, ter o compromisso de viver a própria verdade, custe o que custar, sem interferir no caminho de ninguém, saber que todos os seus atos tem consequências para si mesmo, para os outros e para o planeta... Ser livre é poder mudar de ideia a medida que a consciência evolui...


Tão simples, mas ao mesmo tempo tão complexo, dadas as condições do mundo atual... O fato é que, assim como o passarinho só atinge a mestria do que veio fazer aqui voando, nós também não conseguimos evoluir em nada fechados em uma gaiola. A meta para o ser humano é ultrapassar os limites que os próprios pensamentos o colocam. Portanto, não é uma questão de escolha, pois em algum momento seremos obrigados a abandonar a segurança da gaiola porque a vida nos chama para a evolução. Faz parte do caminho natural das coisas...


Então, que tal já começar a conhecer as grades da sua gaiola para evitar ser pego de surpresa? Pode ser que não seja fácil... Mas só poderemos conhecer outros mundos se tivermos a coragem de sair de onde estamos...

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